quarta-feira, 29 de maio de 2013

O QUE NÃO É O DOM DE LÍNGUAS?

O objetivo deste post não é atacar, nem ridicularizar nossos irmãos pentecostais, todavia, será inevitável tratar deste assunto sem que venhamos avaliar os seus ensinos sobre o dom de línguas. 

1º) Não é “batismo com o (ou no) Espírito Santo”:

     Os irmãos pentecostais/carismáticos acreditam que o dom de língua é o mesmo que “batismo no Espírito Santo”. Eles acreditam que o Espírito Santo primeiro age na conversão e depois batiza. Para essa posição usa-se Atos 2:4, que diz: “Todos ficaram cheios do Espírito Santo e passaram a falar em outras línguas...”. Essa posição defende que já eram crentes quando receberam o Espírito Santo. No entanto, o que deve ser entendido é que este foi um momento inaugural da descida do Espírito. Após esse momento inaugural todos os crentes são batizados com o Espírito Santo no momento de suas conversões. O problema da posição pentecostal é que somente alguns são batizados no Espírito Santo, enquanto que outros não. Mas Paulo em 1ª Coríntios 12:13 diz: “Pois, em só um Espírito, todos nós fomos batizados em um corpo, quer judeus, quer gregos, quer escravos quer livres. E a todos nos foi dado de beber de um só Espírito”. O batismo no Espírito Santo é para todos os cristãos e não apenas alguns; e ele ocorre no momento da conversão quando a pessoa se torna mais um membro do corpo de Cristo, a Igreja. Batismo com o Espírito Santo é o mesmo que regeneração (nascer de novo, nascer do alto, nascer do Espírito), e não o mesmo que falar em línguas.

2º) Não é “línguas estranhas”:

     Muitas vezes o dom de línguas é chamado de “línguas estranhas”. Isto ocorre principalmente com nossos irmãos pentecostais, pois a versão bíblica que eles usam é a Revista e Corrigida. Nesta tradução do fenômeno de falar em línguas é traduzido por “línguas estranhas” (1ª Co 14:5,6,23). No entanto essa tradução é errada. Podemos dizer que é mais uma interpretação dos tradutores do que propriamente uma tradução correta do texto. A palavra usada por Paulo é (glóssais). E em qualquer dicionário será traduzida por “línguas” ou “idiomas”, sem o adjetivo “estranhas”. As palavras gregas que são traduzidas por “estranhas” são “dzénais" e “allótrios". E tais palavras não ocorrem em 1ª Coríntios14. Possivelmente os tradutores não tiveram a intenção de fazer-nos pensar que as línguas fossem estranhas (conforme a idéia pentecostal), mas no sentido de ser um idioma não conhecido, e, portanto estranho a quem fala e a quem ouve. 

3º) Não é “língua dos anjos”:

     A glossolalia é chamada, entre muitos pentecostais/carismáticos, de língua de anjos. Essa idéia vem da interpretação errada de 1ª Coríntios 13:1: “Ainda que eu fale na língua dos anjos e dos homens se não tiver amor, serei como o bronze que soa ou címbalo que retine”. Este versículo não foi escrito para ensinar sobre a natureza angelical do dom de línguas. Paulo está falando sobre a importância do amor em todo o capítulo 13. Ele lança mão de duas formas de linguagem: a hipótese e a hipérbole (que é o exagero de linguajem). Vejamos:

Hipótese – “Ainda que eu fale...” – Perceba que Paulo não está afirmando que ele fala na língua dos anjos. Ele somente diz que “ainda que eu falasse”. Uma outra tradução possível é: “Se eu falasse...”. Uma sentença condicional e não afirmativa. 
Hipérbole – “... na língua dos anjos...” – Paulo usa hipérbole (exagero de linguagem) que seria a capacidade de se comunicar até mesmo com seres angelicais. Coisa que, aliás, nunca aconteceu nos relatos bíblicos, pois, sempre que anjos e homens se comunicaram foram em línguas humanas.

Se percebermos, veremos que Paulo nos versículos 2 e 3 usa a hipótese e a hipérbole: “Ainda que eu tenha o dom de profetizar e conheça todos os mistérios e toda a ciência; ainda que eu tenha tamanha fé, a ponto de transportar montes, se não tiver amor nada serei. E ainda que eu distribua todos os meus bens entre os pobres e ainda que eu entregue o meu próprio corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada disso me aproveitará”. 

Todos hão que concordar com o seguinte: 
a) Que Paulo não era um profeta que conhecia todos os mistérios e toda a ciência, pois, se assim fosse ele seria onisciente. Somente Deus é onisciente. 
b) Que Paulo nunca transportou montes pela fé. Se algo dessa magnitude tivesse ocorrido seria registrado na Escrituras como testemunho do poder do Evangelho de Deus.
c) Paulo nunca distribuiu todos os seus bens para os pobres. Pelo contrário em Filipenses 4:12 disse que  já tinha experimentado honra, fartura e abundância. 
d) Paulo nunca entregou o seu corpo para ser queimado. Se o tivesse feito não estaria vivo para escrever esta carta.
     Enfim, se em todas essas coisas Paulo usou de hipóteses e hipérboles, por que devemos acreditar que em relação ao falar na língua dos anjos ele estaria sendo literal? Lucas diz qual era a natureza dom de línguas ocorrido no dia de pentecostes em Atos 2:5-11: “Ora, estavam habitando em Jerusalém judeus, homens piedosos, vindo de todas as nações debaixo do céu. Quando, pois, se fez ouvir aquela voz, afluiu a multidão, que se possuiu de perplexidade, porquanto cada um os ouvia falar na sua própria língua. Estavam, pois, atônitos e se admiravam, dizendo: Vede! Não são, porventura, galileus todos esses que aí estão falando? E como os ouvimos falar, cada um em nossa própria língua materna? Somos pardos, medos, elamitas, e os naturais da Macedônia, Judéia, Capadócia, Ponto e Ásia, da Frígia, da Panfília, do Egito e das regiões da Líbia, nas imediações de Cirene, e romanos que aqui residem, tanto judeus como prosélitos, cretenses e arábios. Como os ouvimos falar em nossas próprias línguas as grandezas de Deus?”. Lucas diz que a natureza das línguas faladas no dia de pentecostes são dialetos (idiomas) humanos e não língua de anjos. Doutra sorte, se as línguas faladas em Atos são de natureza diferente das línguas faladas em Corinto, então, as igrejas que se classificam como pentecostais e herdeiras do pentecostalismo, deveriam se chamar Igrejas Coríntias e não Igrejas Pentecostais. 
    Há outro motivo pelo qual é impossível que o dom de línguas seja língua de anjos. Paulo afirma que um dia as línguas cessarão (1ª Coríntios 13:8-9). Ora, se é língua de anjo, então, porque deveria acabar logo quando fossemos viver no Novo céu e na Nova terra, com os anjos e diante de Deus? Mateus 22:30 diz: Porque, na ressurreição, nem se casam, nem se dão em casamento; são, porém,como os anjos no céu”. Se neste aspecto os crentes serão como os anjos na ressurreição, porque cessariam de falar na língua dos anjos? Não seria mais provável, então, que os crentes continuassem a falar em línguas angelicais após a ressurreição?

4º) Não é “língua extática”:

    Por língua extática quer se dizer sobre línguas que causam êxtase espiritual, onde a pessoa não tem domínio de si mesmo sentindo-se como num arrebatamento da realidade física e sensorial. A língua falada no  dom de línguas são idiomas humanos e não línguas extáticas de sons desconexos. A grande maioria dos pentecostais/carismáticos baseados nas suas experiências afirma que o dom de língua são línguas extáticas e não idiomas humanos. Todavia uma questão deve ser levantada. O que realmente pode ser considerado uma manifestação miraculosa: uma pessoa soltar e balbuciar sons desconexos, ou falar em uma língua (idioma) que nunca aprendeu? Neste mesmo sentido Robert G. Gromacki argumenta: “O falar em idiomas estrangeiros constituiria, certamente, um milagre divino; todavia, o falar em sons inteligíveis e desconexos ou em sons desconhecidos facilmente poderia ser feito por um cristão como por um descrente. Não há norma objetiva pela qual essa falta poderia ser avaliada. Portanto, é lógico aceitar que Deus instituiria um milagre que os homens não poderiam repetir através da simulação humana”. Estas línguas extáticas como se vê no movimento pentecostal moderno, são palavras desconexas que as pessoas aprendem de tanto ouvirem sendo repetidas, havendo apenas umas pequenas variações. Tais  manifestações nada se parecem com o genuíno dom de línguas. Elas são de natureza psicológica.

5º) Não são “gemidos inexprimíveis”:

     Alguns pentecostais/carismáticos entendem ainda que o falar em línguas é uma espécie de gemido inexprimível. O texto que usam para justificar esta idéia é o de Romanos 8:26: “Também o Espírito, semelhantemente, nos assiste em nossa fraqueza; porque não sabemos orar como convém, mas o mesmo Espírito intercede por nós com gemidos inexprimíveis”. Mas esta idéia está equivocada pelos seguintes fatos:
a) O texto não está tratando de dons espirituais nem direta, nem indiretamente;
b) O texto diz que é o “Espírito intercede por nós”, no caso aqui, é o Espírito Santo que intercede. Já em 1ª Coríntios 14:14 Paulo diz: “Porque, se eu orar em outra língua, o meu espírito ora de fato...”. Ou seja, na glossolalia quem ora é o espírito do homem e não o de Deus.
c) Se a glossolalia fosse a intercessão realizada pelo Espírito Santo, então somente quem ora em línguas seria favorecido, enquanto que os que não oram em línguas estariam sem a assistência do Espírito Santo em suas fraquezas.

6º) Não é recebida por meio de estímulos:

     Em algumas igrejas pentecostais/carismáticas os crentes são orientados a fazer orações que “provoquem” (ou estimulem) o recebimento do dom línguas. Estes são ensinados a dar “glória” a Deus, repetidas vezes, como se fosse um mantra até que recebam o dom de falar em línguas. Humberto Viegas Fernandes fez o seguinte comentário sobre esta prática: “Os renovacionistas [pentecostais], em sua ânsia desenfreada de ver coisas, sinais exteriores, meramente humanos e que confundem com manifestações divinas, chegam ao absurdo de permitir a adoção da seguinte técnica, para provocar o que supõem ser batismo no Espírito: Mandam que a pessoa se ajoelhe e comece a falar rápida e repetidamente, a palavra ‘GLÓRIA’, até que a língua, órgão muito sensível, se descontrole sob o impacto da acelerada contração muscular, e passe a emitir sons inteligíveis, distintos e desconexos. Quando isso ocorre, rejubilam-se dizendo que aquela pessoa foi batizada no Espírito. Com o descontrole físico, vem, de imediato, o descontrole emocional e via de regra, a pessoa começa a chorar. É o bastante! Mais um acaba de ser ‘batizado no Espírito Santo’, segundo eles”. Esse não é o padrão bíblico. Lucas, em Atos 2:4 narra: “Todos ficaram cheios do Espírito Santo e passaram a falar em outras línguas, segundo o Espírito lhes concedia que falassem”. Aqui não houve nenhum estímulo; houve sim a livre e soberana concessão do Espírito Santo para que aqueles 120 irmãos tivessem a capacidade de elocução em outras línguas.

7º) Não é para todos os crentes:

     Nas igrejas pentecostais/carismáticas a idéia que prevalece é que todos os crentes devem buscar o dom de línguas, pois acreditam que essa experiência é possível para todos os crentes. No entanto não é isso que o apostolo Paulo diz em 1ª Coríntios 12:29-30: “Porventura, são todos apóstolos? Ou, todos profetas? São todos mestres? Ou, operadores de milagres? Tem todos dons de curar? Falam todos em outras línguas? Interpretam-nas todos?”. Estas perguntas retóricas deixam claro que nem todos os crentes têm o dom de línguas. A idéia de que todos os crentes devem buscar e ter o dom de línguas tem causado muitos males espirituais para a vida de muitos irmãos sinceros. Passo a elencar dois desses males:

a) Há duas classes de pessoas: as batizadas com o Espírito Santo e as não batizadas; as com poder e as sem poder; as mais espirituais e as menos espirituais.
b) Os crentes que não falam em línguas se questionam e ficam frustrados, achando que lhes falta fé ou consagração.

8º) Não é o primeiro nem o melhor dom:

     Muitos sofrem de glossalatria, pois há muita ênfase no dom de línguas. Para estes, o dom de línguas é o mais desejado e “buscado”. Acontece que na escala de importância dada pelo apóstolo Paulo este é último dom, conforme podemos ler em 1ª Coríntios 12:28 lemos: “A uns estabeleceu Deus na igreja, primeiramente, apóstolos; em segundo lugar, profetas; em terceiro lugar, mestres; depois, operadores de milagres; depois dons de curar; socorros, governos, variedades de línguas”. Perceba que aqui o texto apresenta os dons concedidos à igreja por grau de importância. Ele diz qual é o primeiro, o segundo, o terceiro, e o dom de línguas fica por último. Isso não quer dizer que o dom de língua é sem importância alguma, mas apenas que no grau de importância ele fica como último da lista. Assim a supervalorização que os crentes de Corinto e os irmãos pentecostais dão à glossolalia, não é a mesma que Paulo dá. Podemos dizer que o erro dos crentes de Corinto está se reproduzindo no movimento pentecostal.

9º) Não é sinal de espiritualidade:

     Essa supervalorização do dom de línguas faz com que as pessoas acreditem que tê-lo é garantia e sinal de espiritualidade. A igreja de Corinto era a que tinha mais dons (1ª Co 1:7), mas isso não lhe garantiu espiritualidade porque havia naquela igreja muitos pecados. Havia entre eles divisão (1:10-13); Carnalidade e meninice espiritual (3:1-3); Imoralidade sexual (5:1-2); Litígio entre os crentes (6:1-7); Desamor e escândalo para com os mais fracos na fé (8:1-13); Não reconheciam nem sustentavam o ministério do apóstolo Paulo (9:1-18); Problemas litúrgicos (capítulos 11,12,14).


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Esta postagem faz parte de um estudo sobre a contemporaneidade do Dom de Língua, cujo título, é "Dom de Línguas: Uma abordagem continuísta, mas não pentecostal, da autoria do pastor Wanderson.  

4 comentários:

Anônimo disse...

Muito claro e bem fundamentado. Nossa rocha é Cristo, foquemos nEle, e não no dom de línguas.
Talvez para muitos de vocês isto que eu disse seja óbvia, porem minha igreja se assustaria com ela, como já se assustou (rs). Para poder ser um diácono, é necessário haver pessoas que já te viram falar em línguas.
Graça e paz a todos,

Anônimo disse...

Gostei. Muita bobagem sem fundamento bíblico se fala sobre o Dom de Línguas. Mas fazendo um aparte ao comentário do Cesar Silva, devo dizer que no novo testamento os requisitos para ser diácono, presbítero, pastor, ou qualquer tipo de ofício, não consta falar em línguas. Sugiro ao autor que coloque mais um tópico: "O dom de línguas não é requisito para ser oficial ou obreiro de uma igreja". #fica a dica.

Anônimo disse...

Gostei do texto, mas afinal o que seria essa variedade de línguas citada. Não entendi muito bem...

Wanderson Luiz disse...

Bom dia amigo leitor. A variedade de línguas são os vários idioma que existem no mundo. Um bom exemplo disso é Atos 2:5-11: “Ora, estavam habitando em Jerusalém judeus, homens piedosos, vindo de todas as nações debaixo do céu. Quando, pois, se fez ouvir aquela voz, afluiu a multidão, que se possuiu de perplexidade, porquanto cada um os ouvia falar na sua própria língua. Estavam, pois, atônitos e se admiravam, dizendo: Vede! Não são, porventura, galileus todos esses que aí estão falando? E como os ouvimos falar, cada um em nossa própria língua materna? Somos pardos, medos, elamitas, e os naturais da Macedônia, Judéia, Capadócia, Ponto e Ásia, da Frígia, da Panfília, do Egito e das regiões da Líbia, nas imediações de Cirene, e romanos que aqui residem, tanto judeus como prosélitos, cretenses e arábios. Como os ouvimos falar em nossas próprias línguas as grandezas de Deus?”